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Direito à moradia na Argentina: violações apesar do compromisso do Estado

A Relatora Especial para o Direito à Moradia visitou oficialmente a Argentina entre os dias 13 e 21 de abril de 2011, y agradece ao governo, à equipe do País das Nações Unidas, à sociedade civil argentina e à Aliança Internacional de Habitantes por sua mobilização e participação na visita.
Várias evidências sugerem que, em muitos casos, as remoções estariam violando os padrões internacionais que tratam do tema, contrariamente ao que é estabelecido pelo Comentário Geral Nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Relatora Especial sobre una vivienda adecuada como elemento integrante del derecho a un nivel de vida adecuado, y sobre el derecho a la no discriminación en este contexto - Visita Oficial a la Republica Argentina, 13-21 de Abril del 2011

 Relatora Especial para o Direito à Moradia Adequada como elemento integrante do direito a um padrão de vida adequado, e sobre o direito à não discriminação neste contexto - Visita Oficial à Republica Argentina, 13-21 de Abril de 2011

Observações e conclusões preliminares Tradução não Oficial

A Relatora Especial para o Direito à Moradia Adequada Raquel Rolnik visitou oficialmente a República Argentina entre os dias 13 e 21 de abril de 2011, a convite do governo argentino.
A Relatora Especial agradece ao governo da Argentina pelo convite e pelo apoio dado ao longo da visita. Ela expressa também sua gratidão à equipe do País das Nações Unidas pela cooperação e à sociedade civil argentina e à Aliança Internacional de Habitantes por sua mobilização e participação na visita.
Durante a visita, a Relatora se reuniu com diversas autoridades do Estado argentino em nível federal, estadual e municipal, incluindo funcionários da diplomacia, da Subsecretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, do Conselho Nacional de Habitação, do Instituto de Habitação da Província de Buenos Aires e da Cidade de Buenos Aires, da Defensoria Geral da Nação, da Secretaria de Assuntos Municipais do Ministério do Interior, do Instituto Nacional contra a Discriminação e Xenofobia (INADI), da Subsecretaria de Promoção de Direitos Humanos, da Defensoria Geral da Cidade de Buenos Aires, da Comissão Nacional de Terras, da Subsecretaria de Planificação Territorial, da Legislatura de Tierra del Fuego, do Instituto Provincial de Habitação de Tierra del Fuego, e a Intendência e Legislatura de Ushuaia. A Relatora reuniu-se ainda com parlamentares e deputados de diversos grupos políticos e com o coordenador residente da equipe do país das Nações Unidas, e com diversas instituições das Nações Unidas presentes no país. Finalmente, a Relatora reuniu-se com movimentos populares, organizações de bairro, de inquilinos, devedores e ocupantes, cooperativas, organizações sindicais, organizações não governamentais e acadêmicos.
Ela visitou assentamentos, favelas, prédios e casas ocupadas, assim como projetos de construção de habitação realizados pelo Estado na Cidade Autônoma de Buenos Aires, na Grande Buenos Aires e em Ushuaia. Raquel Rolnik também participou de uma audiência pública organizada no Senado pelo espaço "Habitar Argentina", da qual participaram delegações de muitas províncias do país; de reuniões na assembléia legislativa de Buenos Aires e de Ushuaia; e de uma audiência pública com representantes da cidade de Buenos Aires e de Rio Grande. Nessas atividades, ela ouviu os depoimentos sobre situações representativas do país, incluindo a situação na cidade autônoma de Buenos Aires, e nas províncias de Buenos Aires, Formosa, Tucumán, Rio Negro e Santiago del Estero, e cidades como Mendoza, Rosario, Córdoba, La Plata, Ushuaia e Rio Grande.

O direito à moradia adequada na Argentina: contexto geral

Durante sua visita, a Relatora pôde constatar que o país atravessa atualmente uma grave crise habitacional. Há décadas que a falta de acesso à moradia adequada levou milhões de argentinos a se instalarem de forma precária em favelas e outras formas de moradia precária, um fenômeno agravado pelo baixo investimento em habitação por parte do Estado desde meados dos anos 1980 e durante toda a década de 1990, assim como desde os finais dos anos 1970 por uma oferta historicamente pobre de terra urbanizada acessível à população de baixa e poucos investimentos em urbanização e consolidação dos assentamentos informais.
Nacionalmente, segundo o último censo disponível (2001) 2.640.871 domicílios (aproximadamente 20% do total), sofriam diversas situações deficitárias. Apesar do caráter estrutural da crise, a Relatora percebeu um agravamento recente desta situação, relacionado com o crescimento econômico que a Argentina tem experimentado nos últimos anos e seus efeitos diretos no aumento do preço da terra, dos terrenos urbanos, dos imóveis e aluguéis, em proporção significativamente superior ao crescimento da renda da maioria da população, e com a ausência de crédito e alternativas de habitação, inclusive para a classe média.

Marco normativo e políticas públicas relacionadas à moradia adequada

Graças à reforma constitucional de 1994, e especificamente mediante o artigo 75, inciso 22, da Constituição Nacional argentina, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e, consequentemente, o
direito à moradia adequada como elemento integrante do direito de toda pessoa a um padrão de vida adequado (artigo 11 do Pacto), adquiriram hierarquia constitucional. Além disso, o direito à moradia adequada foi expressamente reconhecido em alguns textos legislativos locais, em particular na Constituição da Cidade Autônoma de Buenos Aires (artigo 31). A Relatora considera muito positivos estes desenvolvimentos normativos, assim como o forte compromisso adotado pelo governo argentino desde 2003 em matéria de direitos humanos, que desembocou na adoção, em 2010, de uma lei que eleva o compromisso do governo com os direitos humanos a uma política de Estado.
A Relatora acolhe favoravelmente as políticas desenhadas e implementadas desde 2003 pelo governo nacional em matéria de moradia adequada e, particularmente, o compromisso do governo de considerar a moradia como responsabilidade do Estado e, portanto, objeto de importante investimento orçamentário. Neste contexto, a Relatora nota que os programas habitacionais do governo foram impulsionados como ferramentas de reativação econômica anticíclica diante da crise de 2001-2002 e que incidiram positivamente na criação de emprego no país e, segundo fontes oficiais, asseguraram 560 mil soluções habitacionais. A Relatora percebe, com preocupação, que a prioridade tem sido a produção de habitações completas (“chave na mão”) promovidas pelo Estado, notadamente através dos Institutos Estaduais de Habitação, e construídas por construtoras privadas, com o apoio, em muitos casos, das municipalidades. O Estado tem priorizado a construção, mas não vem promovendo nem apoiando políticas públicas locais que mobilizem habitações vazias, aluguéis sociais, empréstimos e assistência para ampliações e, sobretudo, políticas de terras e disponibilização de solo urbanizado. A Relatora aplaude também o esforço empreendido pela sociedade civil argentina em organizar-se em cooperativas de habitação, trabalho e consumo, constituindo um vasto tecido social organizado sob os conceitos da solidariedade e da ajuda mútua para enfrentar a crise.

Desafios e obstáculos à realização do direito à moradia adequada na Argentina

Falta de informação e debilidades das políticas públicas de habitação

Durante sua visita, a Relatora pôde observar a falta de um levantamento das necessidades habitacionais no país, que são múltiplas e heterogêneas. A carência de dados oficiais atualizados sobre a situação habitacional e a falta de um diagnóstico-marco que identifique as diferentes situações e seus requerimentos em termos de políticas (falta de infraestrutura nos assentamentos informais, aluguéis excessivos, falta de acesso a crédito por setores médios, superlotação etc) não têm permitido o planejamento e a implementação de políticas públicas adequadas às diversas necessidades. Como já se afirmou, o governo nacional, assim como os estados, têm priorizado políticas de construção e financiamento de novas habitações, com modelos demasiadamente homogêneos e baseados, na maior parte dos casos, apenas na criação de habitação e não em um conceito integral de habitat. Valoriza-se a existência de outras opções e programas, mas verificou-se que eles não têm sido devidamente considerados e impulsionados.
A Relatora percebe, ainda, como as políticas de habitação implementadas não têm sido acompanhadas até esta data por políticas de solo apropriadas, o que em muitos casos resulta em localização inadequada dos conjuntos habitacionais, longe de oportunidades de trabalho e emprego. Neste contexto, Raquel Rolnik aplaude as iniciativas positivas de alguns municípios de implementar políticas de uso do solo e, em especial, o projeto de lei de promoção do habitat da província de Buenos Aires; iniciativas que dispõem de ferramentas para garantir uma oferta de solo urbanizado para acolher moradia adequada, sejam de promoção pública, de tipo cooperativo ou privada de interesse social.
A Relatora nota também a necessidade de uma melhor articulação entre as autoridades municipais, estaduais e nacionais para melhorar a implementação e execução das políticas, e a falta de um sistema federal com clara atribuição de competências, financiamento e intervenção, que traduza verdadeiramente em seu desenho, gestão e implementação o direito à moradia adequada tal como está definido no direito internacional. Neste sentido, a Relatora vê como preocupação a debilidade do sistema de adjudicação dentro dos programas de habitação social. Cada estado ou município pode definir seus critérios de adjudicação (até não ter critérios), o que abre a possibilidade de práticas discriminatórias, em particular com relação à população migrante, proveniente de outros países ou de outras regiões do país (como ilustrado, por exemplo, na Lei 1118/1999 da cidade de Ushuaia, que define pontuações para a atribuição de programas habitacionais em função da vinculação ao território e da conduta cívica – esta última definida em função da ocupação de prédios fiscais na cidade). Neste sentido, a Relatora destaca a modificação da Lei 24.464, que estabelece uma cota de 5% em cada um dos planos do Fundo Nacional de Habitação Social para ser destinada a pessoas com deficiência, e nota que este percentual teria que ser adaptado às porcentagens reais de pessoas com deficiência presentes nas diferentes cidades e
estados. Neste contexto, a Relatora recomenda que, a partir dos resultados do censo realizado em 2010 e com a participação ativa dos municípios e dos estados, se realize um mapeamento dos diversos assentamentos e da demanda de habitação gerada por planos de investimento econômico e se desenhe um Plano Nacional de Solo Urbano e Habitat Urbano e Rural, com uma diversidade de programas e de políticas habitacionais e critérios claros de adjudicação.

Assentamentos informais, ocupações de terras y moradias

As ocupações de terras e moradias representam, na história argentina recente, a forma mais comum de acesso ao solo e à moradia para os setores populares. Segundo várias fontes, nos últimos anos, os assentamentos e ocupações haveriam se multiplicado em diversas áreas urbanas do país. Particularmente, na Grande Buenos Aires, o aumento das ocupações de terra se relaciona estreitamente com o fim da produção de loteamentos populares, terras que agora são usadas preferencialmente no desenvolvimento de bairros fechados para setores de alta renda, o que aumenta uma ocupação desigual e fragmentada do espaço urbano.
A Relatora percebe que as autoridades têm tratado o tema das ocupações de terra com grande ambigüidade e nota, com preocupação, como esta atitude permitiu que esse tema se convertesse em objeto de disputas partidárias, ação de ponteiros políticos e se voltou aos habitantes destes territórios altamente vulneráveis a critérios caso a caso com relação à possibilidade de permanência, consolidação ou remoção. Neste contexto, a Relatora nota que até em casos em que a decisão de estabelecimento do assentamento precário está ditada por uma lei acompanhada por mecanismos institucionais de consulta, como no caso da Villa 31 e 31 Bis da cidade de Buenos Aires, se interpõem os mesmos obstáculos no nível de implementação e execução dos planos.
A Relatora pôde também constatar que, apesar de a ocupação informal do solo ter sido a forma predominante de acesso à moradia nos últimos anos no país, em várias regiões da Argentina está em produção um fenômeno crescente de criminalização da população que ocupa terras ou moradias, que vem sendo vítima de estigmatização, especialmente os imigrantes.
Neste contexto, a Relatora recomenda que seja estabelecido um marco geral de reconhecimento de direitos, assim como de critérios claros de consolidação de assentamentos, e que as autoridades competentes promovam a regularização integral (através de um processo de urbanização e regularização administrativa, e prazos mais curtos de usucapião para fins de habitação social), integrando definitivamente estes assentamentos às cidades e povoados, assim como oferecendo alternativas que respeitem os padrões internacionais em matéria de direito à moradia adequada para os habitantes de assentamentos que se decida não regularizar. Um caso paradigmático neste sentido é a problemática do saneamento da Cuenca Matanza Riachuelo. A Relatora nota as deficiências na política de deslocalização que estão ocorrendo no âmbito deste processo em algumas municipalidades: falta de participação da população afetada e de informação pública. Além disso, a Relatora considera preocupante que esta política de deslocalização esteja baseada em uma sentença judicial e não em uma política integral de urbanização.

Situações urgentes: remoções

Durante sua visita, a Relatora recebeu inúmeros depoimentos sobre remoções que estariam ocorrendo em diferentes estados do país, tanto no meio urbano quanto no rural. Várias evidências apresentadas à Relatora sugerem que, em muitos casos, as remoções estariam violando os padrões internacionais que tratam do tema. Contrariamente ao que é sugerido pelo Comentário Geral Nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em muitos casos as remoções são realizadas sem que seja feito, em consulta com os interessados, um estudo de todas as demais possibilidades para evitá-las ou, quando menos, para minimizar a necessidade do uso da força. Muitas remoções têm sido realizadas sem uma autêntica oportunidade de consulta às pessoas afetadas e sem garantir seu direito de defesa. Muitas remoções têm feito com que os afetados fiquem sem moradia e sejam expostos a violações de outros direitos humanos, sem que o Estado adote todas as medidas necessárias para facilitar a busca por outra moradia, o reassentamento ou o acesso a terras produtivas. A Relatora percebeu uma proliferação de causas penais por delito de usurpação, nas quais costuma-se requerer remoções, e como em muitas ocasiões é o próprio governo que impulsiona estes processos judiciais. A Relatora expressa sua preocupação diante da constatação de que, nos casos em que existe um procedimento judicial, a legislação processual atualmente vigente facilita a execução de remoções, já que estas podem ser requeridas como medida cautelar, anterior à sentença, violando as normas internacionais em matéria de processo legal.
A Relatora Especial expressa também particular preocupação diante da excessiva utilização da força por agentes estatais e agentes privados de segurança, usados pelo Estado durante as remoções. Neste contexto, a Relatora recebeu informações extremamente preocupantes sobre o que ocorreu na cidade de Buenos Aires em dezembro de 2010, com relação à remoção de pessoas que haviam ocupado o Parque Indoamericano, onde morreram supostamente três pessoas em mãos de agentes estatais. Além disso, a Relatora vê com profunda preocupação a situação da comunidade “La Primavera” (província de Formosa), integrada por membros do povo originário Qom. Durante enfrentamentos ocorridos no contexto de um conflito de terra entre esta comunidade e a província de Formosa, em novembro de 2010, um integrante da “La Primavera” e um policial perderam a vida, a comunidade foi despejada de suas terras ancestrais e suas moradias foram queimadas com todos os seus bens. A Relatora nota também com grande preocupação a violência utilizada por cooperativas privadas empregadas pela municipalidade de Ushuaia na contenção de assentamentos irregulares.
Neste contexto, a Relatora lembra que quando uma remoção for considerada justificada, o Estado argentino tem a obrigação de realizá-la com o estrito cumprimento das disposições pertinentes nas normas internacionais de direitos humanos e respeitando os princípios gerais da razão e da proporcionalidade. Além disso, o Estado tem a obrigação de estabelecer recursos ou procedimentos legais para os afetados pelas ordens de despejo, e velar para que todas as pessoas tenham direito à devida indenização pelos bens pessoais ou enraizados dos quais foram privados. La Relatora expressa ainda preocupação pelo que parece ser – com algumas exceções – um desconhecimento generalizado por parte dos magistrados argentinos dos padrões internacionais em matéria de remoções, fazendo caso omisso de grande parte das garantias processuais refletidas na observação geral nº 7, do Comitê de Direitos econômicos, Sociais e Culturais.
Por fim, a Relatora considera que, levando em conta os avanços normativos e de investimentos em habitação, assim como o crescimento econômico dos últimos anos, a Argentina se encontra em plena condição de mobilizar e implementar um pacto sócio-territorial para a implementação do direito à moradia adequada para todos. A Relatoria reitera sua disposição em colaborar neste esforço.

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