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Resolução Final, Fórum Internacional sobre a crise da habitação no Haiti

Nós, organizações de sobreviventes a viver em acampamentos de pessoas deslocadas internamente, assim como organizações sociais e de base, reunimo-nos durante três dias na Fanny Villa em Port-au-Prince para reflectir sobre o problema da habitação na crise de longa data do Haiti. Depois de uma discussão à volta do tema “12 de Janeiro: Pesadelos, Realidade e Sonhos,” declaramos:

1. Louvamos a iniciativa tomada pela FRAKKA [a Força para a Reflexão e Acção na Habitação] e de outros parceiros para participar neste fórum, que nos permitiu ouvir testemunhos de muitos residentes nos acampamentos e trocar opiniões para melhor compreender a raiz do problema com que nos deparamos e providenciar resoluções e um plano de acção que guiará os nossos esforços durante 2011-2012.

2. Ouvimos um número de testemunhos sobre as condições de vida nos acampamentos IDP, que demonstraram que não podemos continuar a viver em condições em que os nossos direitos fundamentais como indivíduos e comunidades são violados todos os dias. Ouvimos testemunhos das muitas doenças contraídas por pessoas a viver debaixo de oleados, da dor de mulheres que sofrem todos os tipos de violência, e de crianças que não podem ir à escola ou planear o seu futuro nestas condições. Vimos como os acampamentos planejados (como Corail) se tornaram num inferno e não oferecem condições nas quais a vida possa florescer.

3. Descobrimos que a maioria de nós nos acampamentos vive com medo. Vivemos sob a ameaça de despejo, uma vês que, tanto o governo como proprietários de terras privadas estão a manobrar (até a atear fogo em alguns acampamentos) para forçarem-nos a sair, apesar de não termos nenhum sitio para ir. Estes actos são crimes contra as nossas vidas e violam os nossos direitos fundamentais. De acordo com um relatório da a IOM [Organização Internacional para a Migração] publicado em 2011, mais de 47,000 pessoas já foram despejadas e 165,977 enfrentam a ameaça de despejo. Resolvemos lutar contra estes despejos e pedir compensações para aqueles que foram vítimas de deslocação forçada, que viola os direitos humanos.

4. Durante este fórum, ficámos muito contentes em ouvir testemunhos e a análise de amigos de outros países como os Estados Unidos (Nova Orleaes e Miami), República Dominicana e Brasil sobre a luta pelos direitos à habitação e como eles estão a conduzir esta luta no contexto internacional (através da Aliança Internacional de Habitantes). Aprendemos muito sobre a forma como estes amigos estão a lutar e as vitórias que eles alcançaram. Foi com alegria e muita estima que recebemos o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra do Brasil), Take Back the Land, COOP HABITAT, e Other Worlds. Saudamos a determinação dos nossos amigos e os movimentos que eles representam.

5. Durante todo o fórum, vimos como o governo haitiano, as classes dirigentes e as instituições internacionais não deram resposta aos problemas de habitação que milhões de Haitianos há muito enfrentam e que se tornaram mais graves desde 12 de Janeiro de 2010. A maioria das pessoas que perdeu as casas no terramoto não possui meios para a reconstrução. Seis meses após a catástrofe de 12 de Janeiro, 700,000 pessoas estão a viver nas ruas e muitas mais famílias estão a viver em condições terríveis em bairros de lata. Muitas pessoas tiveram que regressar às casas danificadas que podem desmoronar a qualquer momento. Rejeitamos soluções enganadoras como a distribuição de oleados ou a construção de abrigos temporários – os abrigos não podem resolver os problemas em questão, não nos protegem e não respeitam a nossa dignidade e os estilos de vida das nossas famílias.

6. Resolvemos continuar a luta para forçar o estado a definir uma política global na habitação que garanta o direito de todos os Haitianos a ter uma casa para viver que respeite a sua dignidade como pessoas. O governo deve criar um escritório para começar a construção de projectos de habitação para responder às nossas necessidades.

Por conseguinte:

  • O governo deve definir uma política de uso da terra para o país. Não devemos esquecer que isto tem sido mal definido muito antes de 12 de Janeiro. Antes do terramoto, 80% da população em Port-au-Prince estava a viver em 20% da terra. Queremos que a discriminação na habitação acabe, sobre todas as formas e as distinções [em serviços do governo e infraestruturas] entre bairros ricos e pobres acabe. Todos os bairros devem ser lugares onde as pessoas possam viver com dignidade e em segurança. Rejeitamos que toda a riqueza e infraestruturas se concentrem em apenas algumas partes da cidade. Rejeitamos também a reconstrução do território da nação apenas para criar zonas de comércio livre.
  • O Parlamento deve elaborar e votar uma lei que garanta o direito à habitação neste país, como descrito no Artigo 22 da Constituição Haitiana de 1987, assim como no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Esta lei deve definir os códigos que todas as pessoas devem respeitar para a construção de habitação (solo, materiais, distância, serviços básicos, ambiente, estética etc.)
  • O governo deve procurar e adquirir terra apesar da expropriação [domínio eminente] de modo a que haja espaço suficiente para dar resposta às necessidades de habitação da população.
  • A população deve participar no processo de tomada de decisões relativamente ao local onde novas casas e bairros estão a ser construídos. Temos de dizer que Port-au-Prince queremos construir. Aqueles que vêm de outros países, com planos já delineados, não podem dizer isto por nós.
  • Estamos preparados para dar o nosso contributo (no financiamento, trabalho e materiais) de forma a criar habitação que respeite a dignidade das pessoas. Contudo, o governo deve financiar a construção de projectos que nos permitam obter habitação o mais breve possível, mesmo que tenhamos que pagar uma renda razoável durante vários anos. O governo deve criar imediatamente um fundo especial para financiar a habitação pública. Há muito dinheiro que está a ser desperdiçado que poderia ser investido em vez disso para respeitar o direito à habitação da população. O orçamento da MINUSTAH [Missão de Estabilização no Haiti das nações Unidas] para apenas 12 meses permitiriam a construção de mais de 77,000 casas e dar a quase 400,000 pessoas casas dignas para viver.
  • As casas e a terra são a fonte de vida que permitem que as pessoas vivam, cresçam, estejam seguras e ajudem as suas famílias a reproduzir. O governo e as nossas comunidades devem tomar todas as medidas para que estes recursos permaneçam fonte de vida, em vez de os converter em mercadoria para que a burguesia possa fazer imenso dinheiro às nossas custas.
  • O governo deve apressar-se para que todos aqueles sem muitos meios possam obter habitação que respeite a sua dignidade humana. Instituições como o BNC (Banco Nacional do Comércio) e os bancos comerciais devem pôr em marcha programas especiais para ajudar a população a reparar ou construir boas casas, com especial atenção aos que têm poucos meios financeiros e aos que têm deficiências.
  • O governo deve implementar o controlo da renda, uma vez que as rendas aumentaram 17 vezes mais que antes do (terremoto) e (às vezes) tem que ser para em dólares americanos. Temos que ter esta lei para evitar que os especuladores façam rios de dinheiro à conta do nosso sofrimento e desespero.
  • O governo deve garantir segurança no local onde vivemos. Não queremos casas construídas umas em cima das outras, ou que casas onde vivemos colidam umas com as outras, cada vez que uma caia devido a estar apinhada de gente. Temos que encontrar casas onde possamos respirar facilmente. As casas têm que ser construídas de modo a evitar todos os riscos que ameaçam o nosso país. O uso da terra deve ser baseado na prevenção de maiores riscos (terramotos, tempestades, deslizamentos de terra, inundações, tsunamis, etc.) O governo deve desenvolver programas de educação e formação para que possamos nos preparar para estes e outros riscos.
  • O direito à habitação não pode ser separado dos nossos outros direitos: o direito ao trabalho, o direito à saúde, o direito à educação, o direito ao lazer, o direito a um ambiente limpo, etc. Todos estes direitos estão interligados. Isto significa que toda a construção de casas deve ser feita de forma a facilitar a nossa satisfação de todos estes direitos. O acampamento Corail Cesselesse é o pior exemplo disso, tendo em conta a maneira como eles decidiram acurralar a população como animais, sem reflectir sobre a ligação entre todos os direitos económicos, sociais e culturais.
  • Pedimos ao Parlamento Haitiano que ratifique o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, como ferramenta que possa fortalecer a nossa luta para defender os nossos direitos.
  • Em todos os projectos de construção de habitação, devem ser planejados espaços públicos que permitam ás nossas comunidades ter e desenvolver actividades colectivas, tal como: apanhar ar fresco, praticar desporto, encontros e reuniões, e devem ser levadas a cabo actividades culturais como o teatro, exposições de pintura, etc. Os espaços públicos devem ter uma gestão especial. Deve haver atenção particular ao uso de toda a terra costeira para proteger o ambiente, os mangues e realizadas actividades que estejam relacionadas com os recursos do oceano.
  • Resolvemos criar comunidades nas aldeias onde cada família possa ter o seu próprio espaço, e onde a comunidade tenha espaço para participar em actividades colectivas. Acreditamos que a habitação cooperativa é uma alternativa viável que pode proteger o direito à habitação para aqueles que não possuem grandes recursos económicos.
  • Queremos casas que respeitem o nosso estilo arquitectónico local e que sejam utilizados materiais locais o mais possível, como o barro, o mármore, o bambu, etc. Queremos casas bonitas que representem a nossa cultura, casas que dêem vida comunitária e que nos ajudem a manter o diálogo entre nós, casas que tenham quintais e jardins onde possamos cultivar vegetais e plantas medicinais, casas que respeitem a dignidade dos nossos corpos com um pouco de privacidade que toda a gente necessita. Queremos casas que nos proporcionem espaço para viver como famílias com vizinhos no lakou  [pátio comum tradicional] onde possamos partilhar comida e actividades diárias. Devemos defender a nossa herança arquitectónica local.
  • Cada bairro deve ter um centro cultural para educar as crianças e a juventude sobre os valores da cultura Haitiana e da história da nação. Os bairros devem ter actividades especiais para crianças. Em cada bairro, deve haver espaço que nos ajudará na construção da nossa memória colectiva como pessoas. Neste sentido, é importante para nós construirmos monumentos para lembrarmos de todos os nossos irmãos e irmãs que morreram no terramoto a 12 de Janeiro de 2010.
  • Nas casas que estamos a construir e nas infraestruturas colectivas, devemos lembrar-nos das pessoas com deficiências e facilitar a sua mobilização e actividades diárias.
  • Todo o projecto de construção de habitação deve ter em atenção os direitos das mulheres. É bom, sempre que possível, para que o título de propriedade da casa leve o nome do marido e da mulher. Na herança, (quando a propriedade está separada) os homens não devem se beneficiar desproporcionalmente em relação às mulheres. No direito à habitação, o governo deve proteger os direitos das mulheres que vivem sozinhas ou numa família onde o marido tem várias mulheres. Mulheres e homens têm o mesmo direito à habitação. As nossas organizações devem lutar contra todos os tipos de violência física e moral a que as mulheres estão sujeitas na casa. O trabalho em casa deve ser partilhado igualmente entre homens e mulheres. Solicitamos um programa de treino especial que permita a integração das mulheres em todos os níveis do trabalho de construção que estão a ser realizados.
  • Denunciamos os escândalos de corrupção na gestão dos programas de habitação; corrupção no governo, nas NOGs [organizações não governamentais], e no ICRH [Comissão Provisória para a Reconstrução no Haiti]. Devem reforçar todos os órgãos do governo e estruturas que tratam da habitação.

7. Resolvemos que:

  • O tempo é oportuno para que o direito à habitação seja respeitado no nosso país.
  • Lutaremos contra todas as formas de despejo e contra todas as formas de intimidação da parte do governo e de proprietários de terra que nos causam mais sofrimento quando nos forçam a sair sem providenciarem sítios alternativos para a habitação. Pedimos a todas as organizações que se organizem para que rapidamente circule informação sobre intimidação e ameaças, de modo que aqueles que ameacem a vida das nossas famílias sejam levados a tribunal.
  • Fortaleceremos as nossas organizações e reforçaremos as alianças entre organizações de base e sociais. Construiremos um movimento social forte que tenha a capacidade de defender os interesses das classes exploradas.
  • Faremos da luta à habitação uma prioridade, e apoiaremos pessoas sem casa e os que vivem em acampamentos nesta luta.
  • Participaremos da luta contra toda a injustiça e exploração. Resolvemos permanecer mobilizados na luta para mudar a nossa sociedade e o nosso governo. Esta luta deve ter como objectivo a construção de um estado novo que dê mais importância à vida das pessoas do que ao dinheiro, e que defenda o interesse das classes exploradas. Este é o único governo capaz de dar resposta de forma verdadeira às nossas necessidades de habitação.
  • Participaremos na luta pela justiça porque sabemos que o assunto da habitação está ligado a assuntos como o desemprego, educação, saúde, saneamento, electricidade, transporte, comunicação, condições de trabalho, reforma agrária, política ambiental, etc.;
  • Resolvemos parar de considerar a habitação como um assunto a ser solucionado a nível individual ou familiar. Apenas soluções colectivas podem resolver o acesso à terra para construirmos, a especulação da habitação e renda, gestão ambiental, e gestão dos bairros,
  • Criaremos programas de formação nas rádios, igrejas, templos e escolas, para que as pessoas estejam informadas sobre a importância dos direitos à habitação. Organizaremos formações e debates nos acampamentos e em bairros populares (de baixo rendimento) com crianças, adolescentes e adultos. Lançaremos um boletim informativo especial para difundir informação sobre o que está a acontecer nos acampamentos e bairros de lata.
  • Apoiaremos a Aliança Internacional de Habitantes e outras organizações que lutam internacionalmente para defender o direito à habitação. Resolvemos participar numa mobilização durante a semana em Outubro de 2011, e pedimos um feriado nacional cada ano em que celebremos o direito à habitação para todos;
  • Pediremos as todas as organizações de bases e a todos os outros movimentos que se mobilizem connosco no assunto da habitação para podermos atingir este sonho de justiça e liberdade. Resolvemos reunir todas as nossas forças para pôr fim ao sistema capitalista, ao regime burguês, ao regime de proprietários de terra, ao regime que defende interesses imperialistas. Resolvemos recuperar a soberania do nosso país com o objectivo de construir uma sociedade na qual possamos desfrutar de acesso garantido à habitação e d todos os nossos direitos fundamentais.

Os representantes dos acampamentos e das organizações signatárias para esta resolução são: (seguem-se centenas de assinaturas de pelo menos 40 organizações de base e não-governamentais, e pelo menos 35 IDP comitês de acampamento)

Lugar para o qual este artigo se aplica


Os(As) seguintes Tradutores(as) Voluntários(as) pelo direito à moradia sem fronteiras da AIH colaboraram com a tradução deste texto:

Carla Almeida, Daniel Themistocles

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